De maneira que qualquer frase estaria em uma ordem específica, ordem que fica em algum lugar entre a alfabética do dicionário e o caos completo. Escrever, ou escrever bem, seja lá o que isso signifique de fato, me parece que é deixar a coisa longe o bastante do caos completo e ao mesmo tempo longe o bastante da ordem alfabética, estupidez organizada que diz tudo enquanto não significa nada.
Não bem no meio, mas em algum lugar que faça sentido e ao mesmo tempo refaça ou desfaça o que supostamente deveria eventualmente ser sentido. Sabendo que a coisa é de saída assim simples, comprei dois dicionários. Um deixei em uma esquina, inteiro, e na outra, piquei a palavreira toda, e não fosse o vento tudo estaria lá, na mais perfeita mixórdia, caos completo, pesadelo amontoado dos que fazem palavras cruzadas. Fui então espalhando os textos (os meus), para que os mais ordinários e corriqueiros, sempre organizados, ficassem perto da esquina do dicionário, e os mais inspirados, e depois os mais loucos, e daí para diante os ilegíveis não por conta da letra mas por conta da sintaxe, perto da pilha do dicionário despedaçado. Descobri que todos os meus textos bons acabavam em frente a uma casa específica, de concreto, manchada pela umidade e com uma árvore na frente. Parecia abandonada não fosse um balanço que mexia, sozinho, talvez o mesmo vento que levou parte do dicionário despedaçado embora. Pregados, por todo o quarteirão nos muros, eu ia de louco a idiota a gênio e de volta a idiota, mas um idiota organizado, como se nada fizesse sentido mas pelo menos estivesse em uma ordem qualquer que desse ao infeliz a ilusão de um controle que não tinha. O infeliz no caso era eu, mas não no muro da casa com o balanço. Lá eu provavelmente era até mais alto. Achei que era óbvio, ainda que um tipo de obviedade que não se entende de cara, pensei em continuar a coisa; comprar um terceiro dicionário, que picotado e refeito com durex teria as palavras organizadas por tamanho, algo para ocupar a próxima quadra, mas não.
Fui até a casa onde o muro seguia simpático com o meu trabalho, e escrevi em uma última folha colada: eu, curador do meu próprio trabalho literário, considero geniais os textos colados no muro desta casa, não porque são meus, mas porque estão na distância exata e perfeita entre a esquina do caos e a da ordem alfabética. Reitero que todos os outros textos colados nesse quarteirão não são de minha autoria, e sim de meus detratores, desgraçados infelizes invejosos de tamanha noção para com o uso da trena entre esquinas distintas. Esse muro passa então a ser o repositório de toda minha obra, enquanto o resto desse quarteirão deve ser também mantido, como prova da inveja humana e do sofrimento daqueles que não têm talento quando deparam com o brilhantismo. E assim, mentindo sem culpa nem vergonha, mas com alguma pressa, virei a esquina.
ORDEM > textoimagem
Série _Invasões de território/transdutores básicos
Texto “Ordem” é alterado por software (Processing) se transformando em imagem a medida que se reorganiza em ordem alfabética de acordo com a posição do mouse
Projeção_dimensões variáveis
Texto original, implementação de software, edição de código, projeção.
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